Inicial > Eletrônica, Manutenção > PROJETO – Proteção para relés em sistemas de acionamento de portões

PROJETO – Proteção para relés em sistemas de acionamento de portões

27 de dezembro de 2012

Figura 1 – Placa de filtro com rede RC e varistor (rede snubber).

Figura 1 – Placa de filtro com rede RC e varistor (rede snubber).

Hoje em dia, os sistemas automatizados para acionamento de portões tem se tornado comuns, o que tem contribuído para a existência de um grande número de fabricantes destes mecanismos. E a concorrência resultante faz baixar cada vez mais o preço destes equipamentos.

O problema é que para baixar os custos, algumas empresas utilizam componentes com a robustez menor que a necessária para enfrentar os diversos modos de acionamento. Um portão um pouco mais pesado, por exemplo, poderá dar problemas.

O que muitas vezes ocorre – como foi meu caso – é o travamento de um dos relés que ligam o motor. Por causa do faiscamento frequente dos contatos, chega um momento que eles “colam”. E isso considerando um uso esporádico, pois o portão era acionado para abertura e fechamento no máximo 8 vezes por dia.

As cargas indutivas

Circuitos indutivos, como os motores, apresentam um comportamento reativo, que gera um pico de alta tensão – como se fosse um contragolpe – quando são desligados. Este transiente, dependendo da carga, poderá ser muito intenso, apesar de curto.

Além disso, ao ligar um motor de indução, há um surto inicial de corrente 6 a 10 vezes maior do que a corrente nominal, segundo a Rodelta Automação – referência [1].

E nos portões, mesmo existindo um contrapeso que equilibra a relação de forças e facilita o acionamento, a inércia é maior naqueles mais pesados, por causa da própria massa a movimentar. Algo como a diferença entre empurrar (ou parar) no plano, em ponto morto, um carro popular vazio e outro lotado. Isto também poderá piorar as características dos transientes, especialmente a corrente inicial.

Por isso um relé deve suportar correntes bem maiores do que a corrente média do circuito que o utiliza. Sistemas profissionais utilizam contatores, que na prática são relés de alta potência.

A solução do nosso problema seria, então, utilizar relés de maior capacidade de corrente, mas há empecilhos como o preço e a falta de espaço na placa ou mesmo na caixa de montagem.

Outra abordagem – simples, mas eficiente – seria tentar reduzir as faíscas através de componentes supressores, como as redes snubber. Um snubber (snub, em inglês, significa frear) é formado pela associação de um resistor em série com um capacitor. Em português, este circuito é também conhecido por amaciador, rede supressora ou circuito de amaciamento. Também é conhecido por snubber dissipativo, pois absorve a energia excedente, não a regenera. Na figura 1, aparece uma rede supressora dupla, que foi montada para solucionar nosso problema.

As redes supressoras ou snubber

No mundo real, as cargas chaveadas apresentam determinada impedância. Por isto, ao serem acionadas, geram indesejadas tensões ou correntes de surto que produzem efeitos negativos nos elementos de chaveamento e circuitos de controle.

Estes efeitos (como o arco elétricos nos contatos) podem ter consequências imediatas ou levar algum tempo até que causem problema. Se uma rede de supressão for bem calculada e adicionada ao circuito, tais efeitos deletérios poderão ser eliminados ou mantidos em níveis insignificantes.

Os snubber são necessários, portanto, para manter a operação dentro de uma margem de segurança e aumentar a longevidade das chaves de potência (como os relés). Também proporcionam aumento da eficiência, alcance da velocidade máxima de chaveamento e redução de interferências eletromagnéticas (EMI), conforme a Hiquel – referência [2].

Apesar de sua simplicidade, no Brasil a utilização das redes supressoras tem sido muito negligenciada, especialmente nos circuitos de automatização de portões. Os custos da adição de um resistor e um capacitor são recompensados com o aumento da confiabilidade do equipamento. Mas, ao que parece, isto não interessa a muitos fabricantes.

O que faz uma rede supressora

A rede supressora absorve a energia que está armazenada na carga. Para manter o dispositivo de chaveamento em uma área segura de operação, é necessário protegê-lo.

Cargas indutivas, por exemplo, causam problemas no desligamento, pois sua auto-indutância tende a manter o fluxo de corrente entre seus terminais e gera transientes de tensão que podem alcançar a faixa dos Kilowatt ou até Megawatt. Estes transientes induzem um arco elétrico na chave e causam a migração de metais entre os contatos, podendo levá-los à destruição. Foi exatamente o que ocorreu em nosso caso, antes de instalarmos a proteção.

Projetando e instalando a rede supressora

Deve-se conhecer o tipo de carga a ser acionada para projetar uma rede supressora eficiente. Não há como fazer uma proteção universal.

Figura 2 – Formas de instalar snubbers em cargas indutivas. Fonte: Eurotherm [3].

Figura 2 – Formas de instalar snubbers em cargas indutivas. Fonte: Eurotherm [3].

Para cargas indutivas, a proteção pode ser instalada em paralelo com a carga ou com a chave, de acordo com [1] e [3]. Ver a figura 2. A proteção deverá ficar o mais próximo possível do componente que está em paralelo.

Na colocação da rede em paralelo com a chave, haverá uma corrente de fuga sempre que os contatos estiverem abertos. Esta corrente de fuga precisa ser bem calculada, pois haverá a possibilidade de choque elétrico mesmo quando a carga estiver desligada.

Já na proteção em paralelo com a carga, não há corrente após o desligamento.

Em ambos os tipos de ligação os componentes da rede absorverão a energia dos transientes, transformando-a em calor.

Os cálculos dos componentes da rede supressora podem ser feitos de várias maneiras. Por exemplo, com a ajuda de uma planilha Excel, disponibilizada pela Hiquel, um fabricante de componentes para automação [2]. Os dados da planilha estão definidos como se a carga fosse totalmente indutiva e os valores são calculados para o pior caso possível. Há opções para calcular a rede supressora em paralelo com a chave, com a carga e com tiristores.

Na página da Cynergy3 [4], um fabricante de interruptores de fluxo e de nível, pode-se encontrar o valor do snubber para reed switches através de um gráfico tipo nomograma, no final daquele texto. Já a StackExchange – referência [5] – apresenta as fórmulas para o cálculo da rede supressora.

Há também uma nota de aplicação da On Semicondutors [6], que detalha muito bem o cálculo de redes supressoras para tiristores.

E uma apresentação do professor Yales Rômulo de Novaes, da UDESC, na referência [7], define com clareza os diversos tipos de snubbers em conversores com semicondutores e os parâmetros necessários para calculá-los.

A realidade

De todo modo, na época que projetei a proteção para os relés do portão da garagem, quis montá-la o mais rápido possível, para evitar novos problemas. Como não tinha as informações sobre o cálculo à disposição, cheguei aos valores de um modo mais empírico.

Minha intenção era que o circuito absorvesse a maior quantidade possível de energia, então comparei com alguns circuitos encontrados em esquemas de acionamento de motores e proteções de rede elétrica e defini os valores. O resistor escolhido tem 47 Ohm e 3 Watt de potência.

Já o capacitor ficou com um valor de 470 nF (nanoFarad). Neste circuito foi utilizado capacitor do tipo X1, específico para trabalhar em corrente alternada e que não entra em curto-circuito, somente vai diminuindo sua capacitância quando ocorre arco elétrico interno.

Após a definição do capacitor e do resistor, adicionei um varistor para aumentar ainda mais a proteção. Foi utilizado um tipo para correntes de surto iguais ou maiores que 2 kA (kiloAmpere) e com capacidade de absorver pelo menos 10 Joules de energia. Era um modelo de óxido metálico, da Siemens, denominado SIOV 20K275. Hoje em dia, a nomenclatura do fabricante é um pouco diferente.

O varistor é inócuo até a tensão de 275 V entre seus terminais. A partir deste valor, ele torna-se um curto-circuito. É muito útil para sobretensões momentâneas, típicas de faiscamento de contatos e raios. No circuito que montei, o varistor atua como auxiliar à rede RC.  Pelo que foi possível identificar em folhas técnicas [8], o tempo de resposta dos varistores não é constante, muda conforme as condições presentes.  De certo modo, o varistor complementa o trabalho do capacitor.

Voltando à figura 1, que mostra a placa com a montagem do circuito. São duas redes distintas, uma para cada bobina do motor. Como é um motor de indução reversível, com capacitor permanente, ele tem três fios (um para cada bobina e um comum). O custo de filtrar junto ao motor é menor, pois os contatos dos relés necessitariam de mais uma rede RC, além de aumentar as chances de choques elétricos. A figura 3 mostra o diagrama esquemático do filtro.

Estes componentes protegeram o circuito adequadamente e não deram qualquer problema desde sua instalação. Na figura 4, aparece a foto de todo o circuito na época da montagem. Na figura 5 aparecem os mesmos componentes, 40 meses depois. A marca do resistor à direita já existia à época da instalação, é somente um descascado.  Não há qualquer sinal de sobreaquecimento. O pó não entrou no compartimento, mas notem as teias de aranha na estrutura metálica…

Figura 3 – Esquema do filtro.

Figura 3 – Esquema do filtro.

Figura 4 – Aparência da montagem na época da instalação do snubber.

Figura 4 – Aparência da montagem na época da instalação do snubber.

Figura 5 – Aparência da rede supressora após 3 anos de uso.

Figura 5 – Aparência da rede supressora após 3 anos de uso.

Figura 6 – Os relés originais eram como o da esquerda. Nota-se a diferença de altura do substituto (direita).

Figura 6 – Os relés originais eram como o da esquerda. Nota-se a diferença de altura do substituto (direita).

Além disso, para substituir o relé original, de procedência chinesa, foi colocado um relé antigo, da Metaltex, brasileiro. Talvez ele seja mais robusto, pois apesar de ter a mesma disposição dos pinos, é mais alto que o original, como se pode ver na figura 6.

Mas tem um detalhe interessante: o outro relé chinês continua lá no mesmo lugar desde quando o módulo de controle foi fabricado, não deu qualquer problema. É outra mostra de que a rede supressora funciona mesmo.

Detalhes da montagem

A placa de circuito impresso (PCI) foi feita de modo tosco. Como eram poucas trilhas, elas foram traçadas “na marra”, ou seja, com estilete e pinça forte para descolar os trechos indesejados de cobre. A figura 7 mostra o lado cobreado, onde podem-se ver as marcas do estilete.

Figura 7 – Lado cobreado da placa do snubber.

Figura 7 – Lado cobreado da placa do snubber.

Este modo de construir PCI é rápido, mas um tanto arriscado, pois o estilete corre o risco de deslizar e cortar as mãos se a placa não estiver bem firme. Muito cuidado, portanto, se quiser fazer desta forma.

Ainda na figura 7 pode-se notar os 2 porta-fusíveis aéreos, pretos, destinados a evitar o incêndio do conjunto. É que o varistor é um componente que aguenta sobrecargas, mas um dia chega ao final de sua vida útil e entra em curto-circuito. Quando isso ocorrer, o fusível respectivo irá abrir. Os dois fusíveis são de 6 A.

Conclusão

O circuito foi montado em 2011 e ainda está totalmente operacional em 2021, sem qualquer troca de componentes ou marcas de excessos. Com certeza o snubber funciona, pois o primeiro defeito da central tinha ocorrido com pouco mais de um ano de uso.

Como curiosidade, na referência [9] há um link de fabricantes de snubbers. São componentes prontos, que facilitam o trabalho de quem não quer projetá-los.  Além disso, a Omron [10] disponibiliza um ótimo texto sobre os circuitos supressores.

Outro interessante trabalho é o texto sobre motores de indução, da UNESP, divulgado por Mario Loureiro [11]. Muito boa a explicação do funcionamento dos diversos tipos de motores de indução.

Referências

[1] Rodelta – Contatos de relés – http://rodelta.tripod.com/Tec_Reles.html

[2] Hiquel – Planilha de cálculo de snubbers e download de datasheets – http://www.hiquel.com/en/home/download/application-note.html

[3] Eurotherm – Benefícios do snubber – http://www.eurotherm.nl/en-US/downloads/documents/?noreeveryonegroup=0&assetdet2028505=16528&search=snubber&searchcontent=1

[4] Cynergy 3 – Cálculo de snubbers para reed switches – com nomograma – www.cynergy3.com/downloads/contact%20protection.pdf

[5] Stack Exchange – Cálculo de snubbers – http://electronics.stackexchange.com/questions/42131/how-to-design-an-rc-snubber-for-a-solenoid-relay-driving-an-inductive-load

[6] On Semiconductores – Cálculo de snubbers para tiristores – www.onsemi.com/pub/Collateral/AN1048-D.PDF

[7] Professor Yales – UDESC – Cálculo de diversos snubbers – www.joinville.udesc.br/portal/professores/yales/materiais/snubbers_yales_v3__Modo_de_Compatibilidade_.pdf

[8] CERN – Conversores de baixa potência – http://te-epc-lpc.web.cern.ch/te-epc-lpc/components/datasheets/te-epc-lpc%20%28converters%29/Varistor%20%28SIEMENS%29.PDF

[9] Redlion – Fabricante de snubbers – http://www.redlion.net/Products/Groups/NoiseSuppression/SNUB/Docs/12027.pdf

[10] Omron – Explicações sobre o snubber – http://www.omron-ap.com/FAQ/FAQ02088/index.asp

[11] Mario Loureiro – Características dos motores de indução – http://www.marioloureiro.net/tecnica/electrif/motores.pdf

  1. 17 de novembro de 2014 às 16:55

    Muito interessante a sua postagem, parabéns!!! acho que comigo ocorreu a mesma coisa que aconteceu com você, o travamento de um dos relés que ligam o motor..

  2. George
    24 de março de 2013 às 04:21

    Sabe me dizer se esse relés estão dentro dessas normas para relés de proteção?
    http://blog.comatreleco.com.br/rele-de-protecao-reledeprotecao-reles-protecao-seguranca

    • 24 de março de 2013 às 19:40

      Olá, George, todo componente que segue as normas traz escrito no seu corpo o nome da entidade que certificou sua qualidade. Por exemplo, se a peça ostenta CE, quer dizer que está de acordo com as normas de segurança e desempenho da Comunidade Europeia. Há outras entidades certificadoras, como UL, RU, VDE, CQC, e muitas mais. No Brasil, temos o selo ABNT, fornecido pelo Inmetro. Em geral, a qualidade do componente se vê pela quantidade de selos de empresas de certificação que a peça ostenta. Conforme o tipo de produto, a certificação pode ser voluntária (pela vontade do fabricante) ou compulsória (obrigatória). A empresa deve pagar às instituições para testarem o seu produto e darem a certificação. Como custa caro, só os grandes fabricantes exibem muitas certificações. Mas um bom começo é o selinho da CE, que tem normas bem rígidas. E o link do fabricante de relés que você mostra, em princípio são para aplicações bem específicas, como proteção de equipamentos contra sub e sobre-tensão, contra excesso de corrente e etc. Você deve informar-se se eles ostentam o selo do Inmetro (ABNT). Neste post, eu comentei que os relés do sistema de acionamento deveriam ser mais robustos, para poderem suportar os surtos do regime de trabalho, que ocorrem principalmente nos instantes de acionamento e de desligamento do motor. Estes relés do seu link não tem muito a ver com isso, pois são proteções colocadas na linha de energia, não são componentes de acionamento.

  1. 29 de dezembro de 2021 às 23:59
  2. 8 de março de 2015 às 00:27
  3. 15 de janeiro de 2014 às 17:45
  4. 19 de março de 2013 às 21:48
Comentários encerrados.
%d blogueiros gostam disto: