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ISOPOR – Usando laranjas para reciclar

20 de agosto de 2012

Reciclagem de isopor, 100% reaproveitável

Decomposição do isopor quando em contato com o limoneno

Figura 1 – Decomposição do isopor quando em contato com o limoneno
Fonte: Sony [2]

Parece mágica – e quase é. Lembrei de uma notícia que vi há vários anos, sobre a reciclagem de poliestireno expandido, mais conhecido como isopor. Na antiga TV Guaíba, Canal 2 de Porto Alegre, quando ainda era independente, passava um programa Transtel chamado “Tópicos do Japão”, ou algo assim. Um dia, mostraram um processo desenvolvido naquele país, que possibilitava a reciclagem total do isopor e que não deixava resíduos.

Daí, fui procurar o que se faz hoje, no Brasil e no mundo, a respeito disso. Porque até pouco tempo, ainda estava disseminado por aí um conceito que classificava o isopor como antiecológico e não reciclável. O que não é verdade.

O isopor é 2% de plástico (poliestireno) e 98% de ar (oxigênio). Portanto, ocupa um volume imenso e dificulta o transporte. Obviamente, a solução para isso é compactá-lo.

Há vários modos de fazer isso: através de compressão, aquecimento ou com solventes derivados de petróleo. A compressão, não reduz significativamente o tamanho do produto final e continua a dificultar o transporte. O aquecimento, por sua vez, resulta em plástico reciclado de baixa qualidade, que deverá ser utilizado em produtos menos nobres. E os derivados de petróleo, são altamente tóxicos e inflamáveis. A solução é o limoneno ou mais precisamente, o D-limoneno, um solvente natural.

Limoneno?

O limoneno – ver referência [1] – é um hidrocarboneto de origem vegetal, um óleo biodegradável que tem estrutura molecular semelhante ao isopor. É retirado da casca das frutas cítricas – laranja, tangerina, pomelo, limão, lima -, onde fica armazenado em pequenas bolsas. Quando estas rompem, formam aqueles borrifos que fazem arder nossos olhos…

O limoneno é aplicado em coisas que utilizamos diariamente, como produtos de limpeza, repelentes de insetos, tintas, saborizantes de alimentos e até perfumes. E é um parceiro ideal para reciclar o poliestireno expandido.

Quando o limoneno entra em contato com o isopor, dissolve-o e mistura-se a ele, como pode ser visto na foto inicial do artigo. E podemos facilmente comprovar este efeito.

Experiência

Fiz em casa uma experiência com uma bandeja de isopor e três frutas cítricas: laranja umbigo, lima e bergamota pokan (ou pokã, ponkan, sei lá). Infelizmente, só a bergamota tinha bastante limoneno, pois as outras já estavam meio passadas. Apertei a casca de cada uma delas contra um ponto diferente da bandeja.

Frutas cítricas e bandeja de isopor

Figura 2 – Frutas cítricas e bandeja de isopor

O resultado, depois de 15 minutos, pode ser conferido na foto abaixo. Na esquerda está o efeito da laranja, no meio o da lima e à direita o da pokan. A lima, apesar de ter muito pouco óleo, foi a que apresentou a ação mais rápida. Mas todas fizeram o que era esperado: dissolveram o plástico.

Bandeja de isopor corroida por limoneno

Figura 3 – Bandeja de isopor corroida por limoneno

O método de reciclagem 100% do isopor

Tsutomu Noguchi, cientista do Centro de Pesquisas Sony, descobriu que a decomposição do poliestireno com D-limoneno não altera as propriedades desse plástico, tornando-o totalmente reaproveitável e formando um ciclo completo. Isso quer dizer que o isopor reciclado pelo limoneno poderá tornar-se novamente… isopor!

A Sony divulgou o método em 1998 em uma publicação da corporação, a Cx-Eye – conforme referência [2]. O título do artigo (em inglês) é “Usando laranjas para reciclar isopor”. Aparentemente, há uma patente da empresa relativa a este processo.

A redução de tamanho para o produto inicial atinge 1/50, ou seja, o poliestireno volta ao tamanho que tinha antes da expansão. É mais ou menos como um cubo de 1 metro de lado, de isopor, transformar-se um cubinho de 2x2x2 cm, de poliestireno, com a mesma massa.

O processo é relativamente simples. O isopor limpo é triturado o suficiente para caber numa câmara, onde será posto em contato com o D-limoneno. Na temperatura ambiente, o limoneno irá dissolver o isopor completamente e formará uma mistura que depois será separada.

Fluxo de processamento do limoneno nos equipamentos de reciclagem
Figura 4 – Fluxo de processamento do limoneno nos equipamentos de reciclagem
Fonte: Sony [2]

Este processo é utilizado comercialmente no Japão, pois é viável – ver referência [3]. Lá, uma empresa (Kotobuki-sougyo) utiliza uma van, chamada Orange R-net, que realiza o processamento inicial do plástico. O veículo carrega dois tanques com 270 litros de limoneno cada e a máquina para triturar e dissolver o isopor. Pode armazenar 300kg de poliestireno, equivalente a 450 embalagens de televisores de 28 polegadas (lembrar que o artigo da Sony é de 1998). Quando fica cheia, a van segue para a planta de reciclagem, descarrega a mistura e recebe de volta o solvente limpo. E pode sair para recomeçar a coleta.

Na planta de reciclagem, aquela mistura de poliestireno e D-limoneno é aquecida a 140°C, para reduzir a viscosidade, daí passa por um filtro de 250 micra, para retirada de impurezas. Como o limoneno somente dissolve o poliestireno, o filtro consegue barrar adesivos, etiquetas, pó e outros contaminantes.

Após, a mistura é aquecida a 240°C. Nesta temperatura, somente o limoneno evapora, sendo recuperado através de destilação a vácuo.

Sabe-se que o aquecimento degrada as propriedades de alguns materiais e pode-se questionar se este processo é seguro para a resina que pretende-se reciclar. Entretanto, a degradação do poliestireno é impedida uma vez que o limoneno oxida antes da resina plástica. Combinado com a destilação a vácuo, o sistema alcança uma alta qualidade de reciclagem. A perda de limoneno no processo todo chega a 1%. O óleo recuperado na destilação volta limpo e pronto para a reutilização e o plástico vai para a extrusora, que irá formar os “pellets”.

Os “pellets” são como pequenos pedaços cortados de macarrão, utilizados como matéria-prima pelos fabricantes. Este plástico reciclado tem a mesma qualidade do material novo, saído da refinaria.

E nós?

Talvez fosse interessante criar, no Brasil, máquinas pequenas que extraíssem não somente o suco das laranjas e outros cítricos, mas também o óleo das cascas. O limoneno tem muitos usos, inclusive medicinais. Esta é uma oportunidade de negócio que ainda parece pouco explorada. Um litro de limoneno custa, em 2012, no varejo, por volta de R$30,00.

Por outro lado, viabilizando a reciclagem de isopor, diminuiríamos o impacto deste insumo no ambiente e poderíamos reduzir os custos de sua produção, além de melhorar o ganho de uma imensa camada da população, a dos catadores.

Além do mais, é importante saber que parte do poliestireno que consumimos é importado incondicionalmente, pois vem junto com as embalagens dos equipamentos estrangeiros. E devemos dar um destino adequado a estes resíduos. Melhor ainda se pudermos transformá-los em insumos.

A realidade brasileira da reciclagem

No que toca ao isopor, ainda temos muito a melhorar. Quase não se encontram empresas recicladoras no país e ainda permanece entre a população o conceito de produto não reaproveitável.

Além disso, o que tem aparecido como opção de reciclagem por aí é a prensagem, pura e simples [4]. A redução de tamanho não alcança um valor muito significante e quase não agrega valor ao produto.

Outros reciclam o poliestireno com a trituração e o aquecimento, que consegue extrair totalmente o ar, do mesmo modo que com o limoneno. Inclusive, este é um processo comum no exterior, como se pode ver pela quantidade de empresas que produzem compactadores – ver referências [5], [6], [7] e [8]. Mas o produto reciclado desta forma não tem a mesma qualidade da matéria-prima nova e há necessidade de encontrar novas aplicações para estes materiais. Sem contar que o valor agregado ao produto ainda poderá ser baixo.

O ponto importante é que na reciclagem com limoneno são mantidas as propriedades originais do plástico, portanto ele torna-se um concorrente da matéria-prima das refinarias. O preço deste plástico reciclado poderia até ser mais elevado que o novo, pois vincula sua produção à sustentabilidade.

Falando em sustentabilidade, a reciclagem com a utilização de limoneno gera menos CO2: cerca de 0,6 kg para 1kg de poliestireno, o que equivale a somente 1/3 do CO2 gerado na produção de poliestireno na refinaria [2].

Segundo a Abrapex (Associação Brasileira do Poliestireno Expandido) [9], o Brasil perde anualmente perto de 3 bilhões de dólares por não aproveitar as possibilidades de reciclagem. Uma das sugestões da Associação para reciclagem de isopor é a moagem para usar na fabricação do concreto EPS, que apresenta algumas vantagens sobre o concreto tradicional, como a moldabilidade, a leveza e a isolação térmica e acústica. Há muitas possibilidades pela frente. Se quisermos um futuro limpo, devemos pensar já na reciclagem.

Curiosidades

  • No Brasil, chamamos o poliestireno expandido (PSE) de isopor, que é a marca de um dos fabricantes do produto (Knauf), conforme referência [10]. Originalmente, a marca era da Basf. Em inglês, a resina é denominada expanded polystyrene (EPS) ou Styrofoam, ou muitas vezes somente “foam”.
  • O código de reciclagem para o isopor é o número 6, junto com as letras PS [11].
  • Não é só o limoneno que dissolve o isopor, provavelmente qualquer solvente faz isso. Há no Youtube um vídeo mostrando o efeito da acetona sobre o isopor, muito interessante [12]. Mas tem um problema: a acetona – como qualquer solvente derivado de petróleo – é inflamável e poluente, o que torna tudo mais perigoso.
  • Um artigo em espanhol, muito completo, trata da reciclagem do isopor com limoneno e detalha o funcionamento do processo e as vantagens inerentes [13]
  • Outro artigo, do Senai, trata de explicar todo o processo de reciclagem de isopor através do processo tradicional (moagem, aquecimento, extrusão).

Referências

Todos os links foram visitados em agosto de 2012.

[1] Características do limoneno – http://diariodeumquimicodigital.com/d-limoneno

[2] Artigo da revista CX-EYE, da Sony – http://xa.yimg.com/kq/groups/26556000/359094630/name/cxeye.pdf

[3] Empresa japonesa de reciclagem, detentora da marca Orange R-net – http://www.kotobuki-sougyo.co.jp/business/1-01.html

[4] Recicladora de isopor de São Paulo – http://www.proecologic.com.br/

[5] Recicladora de isopor em um container – Empresa coreana – EPS Recycler Mobile Type Waste Fishery – Styrofoam Recycling M/C – Algo como Pescador móvel de desperdício – Máquina recicladora de isopor – http://www.yanmagns.com/

[6] GreenMax – máquinas para compactação de PSE – http://www.intcorecycling.com/english/GreenMax-eps-styrofoam-Recycling-Machines.html

[7] Compactadores Heger – http://www.foamequipment.com/compactorshttp://www.youtube.com/watch?v=kFjLisDyESU

[8] Compactadores Recycletech – http://www.recycletechno.com/plastic_foam_densifiers.htm

[9] Associação Brasileira do Poliestireno Expandido – http://www.abrapex.com.br/61Recicla.htmlhttp://www.abrapex.com.br/06Reciclagem.html

[10] Detentor da marca isopor – http://www.knauf-industries.com/pt/content/espumas-alveolares

[11] Códigos de identificação dos plásticos – http://educa.fc.up.pt/ficheiros/fichas/1152/Manual%20Identificacao%20de%20plasticos%20.pdf

[12] Dissolvendo isopor com acetona – http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=h9Jx8NRkWTo&feature=endscreen

[13] Artigo sobre EPS e limoneno, com descrição do processo – http://pt.scribd.com/doc/59628595/EPS-y-limoneno

[14] Isopor também pode ser reciclado – http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2008/05/19/ult4477u644.jhtm

[15] Artigo do Senai de SP sobre o processo de reciclagem de isopor – http://www.sp.senai.br/portal/meioambiente/conteudo/reciclagem_isopor.pdf

  1. osvaldo machado de azevedo
    30 de dezembro de 2015 às 23:24

    quero saber se o limoneno e mesmo conbustivel de alta esplosão

    • 4 de janeiro de 2016 às 00:10

      Osvaldo, não sei se é. Sei que é inflamável. Faça uma experiência. Pegue um isqueiro e a casca de uma laranja, limão ou bergamota, tente colocar a chama do isqueiro na frente daqueles jatinhos de limoneno que saem quando a casca é dobrada. Você terá um pequeno lança-chamas. Tome cuidado para não queimar-se com o experimento, faça em local amplo, ventilado e longe de materiais inflamáveis e aponte a dobra da casca para longe de si.

  2. 9 de janeiro de 2015 às 13:37

    Também vi essa matéria na TV, da coleta de isopor por caminhões-tanque que dissolviam o isopor na hora. Posso estar enganado, mas acho que o programa era “Imagens do Japão” (é que aqui em sp/SP também tinha um outro programa de curiosidades e cultura do Japão, que não me lembro o nome). Parabéns pelo texto!

    • 9 de janeiro de 2015 às 23:06

      Puxa, finalmente mais alguém que viu também o vídeo!! Valeu, Vitor!!

  3. MARIA
    16 de abril de 2014 às 00:15

    Olá
    Amei seu blogue!
    Fiquei um tempão e olhei tudo!!
    E se não se importa compartilhei no facebook.
    Parabéns pelo visual e qualidde das postagens, excelentes!

    E, Pode me informar o e-mail ou site do SHOPPING DA SUCATA?
    Também tenho interesse por peças do som receiver gradiente s95, se tns ou sabe onde encontro, agradeço.
    Meu blogue é hhttp://fazendoarte67.blogspot.com
    e meu e-mail de resposta é o postado.
    Aguardo resposta
    🙂

    • 20 de abril de 2014 às 21:55

      Maria, passei há poucos dias por lá e peguei um cartão deles, seguem as informações:
      http://www.shoppingdasucata.com.br – o link não funciona e no cartão não tem e-mail
      Fone (51)9983-4469
      BR 386 – Km 415 – Vendinha – Montenegro – RS

      Quanto às peças para Gradiente, talvez no Mercado Livre possa encontrar, lá tem muita gente que negocia estas coisas.

  4. mario mendes
    14 de maio de 2013 às 16:56

    Este artigo é pertinente tendo em vista a urgência da reciclagem onde cooperativas de catadores estão formando uma REDE DO ISOPOR.

    • 14 de maio de 2013 às 21:49

      Mário, obrigado pelas palavras de apoio. Temos muito o que fazer pela reciclagem em nosso país. Só ela possibilitará uma vida digna a todos no futuro.

  1. 8 de março de 2015 às 00:27
  2. 15 de janeiro de 2014 às 17:45
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