O Natal de 2020
Que ano! Todos tivemos muitas dificuldades, em razão do confinamento causado pela pandemia.
Mas, estamos em plenas Boas Festas, 2021 está chegando aí e precisamos espairecer.
Descobri por esses dias uma bela canção de Natal, diferente das mesmas de sempre. Não é nova, essa música já tem mais de 30 anos e fez sucesso na Europa dos anos 1980. Por aqui, jamais tocou.
A música “Christmas was a friend mine” (Natal era um amigo meu) lembra, sem pieguice, de como o Natal era bom e ansiosamente esperado, quando éramos inocentes.
Também tenho a mesma sensação quando chega o final do ano, pois bate saudade do tempo de criança, na casa de minha avó. Não havia ceia à noite, era almoço com toda a família no dia 25.
A árvore de Natal era especial, cortavam um pinheiro pequeno e o colocavam numa lata com areia molhada, ficava verde por dias. Aqueles frágeis, brilhantes e coloridos enfeites de vidro, pendurados com todo o cuidado, alguns eram helicoidais e giravam com a menor brisa.
Num tempo em que a luz vinha de lampiões a querosene, havia castiçais para pequenas velas, que agarravam-se aos galhos da árvore natalina. Após anoitecer, as velinhas eram acesas por um adulto, às vezes “ajudado” por uma criança mais calma e cuidadosa. Era o momento de apreciar a árvore, pois isso não durava muito.
Todos ficávamos ao redor daquele presépio, maravilhados com a quantidade de detalhes para olhar. O espelho que imitava a água, a serragem para fazer o terreno, o arroz plantado algumas semanas antes, cujos brotos formavam um canavial ao lado dos bonecos e animais. O papelão pintado e amassado, ao fundo, que transformava-se numa montanha…
Com sorte, a noite ainda nos presenteava com nuvens de vaga-lumes, uns pequenos e de luz amarela no abdome. A maioria era grande, com luzes verdes piscantes, que pareciam olhos. Davam um estalo assustador, ao ficarem presos nas mãos.
O presente de cada neto era um punhado de balas e chocolates, que eu e meus primos adorávamos. Mas que ficava menor a cada ano, devido ao aumento da família…
Depois, íamos dormir de janelas abertas, sentido o frescor daquelas noites de verão, porque não tinha pernilongo nem ladrão. Bons tempos, antes do agronegócio arrebentar com tudo.
Voltemos à canção natalina: a letra dela também fala de coisas desconhecidas dos brasileiros – que explico adiante -, mas é bastante agradável de ouvir, na voz melodiosa de Fay Lovsky. Delicie-se nestes 4m38s, especialmente a parte final:
Segue a letra, em tradução do Google, com alguns pitacos meus, aqui e ali. Depois aparece a versão em inglês, extraída da página web de Fay [1] e os esclarecimentos necessários.
Natal era um amigo meu (Christmas was a friend mine)
por Fay Lovsky
Todo ano durava muito, com coelhinhos da Páscoa, cartões de aniversário,
E passeios à beira-mar no verão, apenas para quebrar o longo
Espaço de tempo que se estendia entre um e outro
Natal
O Natal nos anos 60 era bom
Com velas, guloseimas, presentes e vinho
“Paz na Terra” era real, parecia
E AMOR uma palavra ainda não obscena, oh não
Assistindo ao desfile da estação
Árvores morrendo, estrelas de neon e papais noéis de plástico por um centavo
Incentivando a comemorar: ding dong ding dong
Aí vem outro Natal!
O Natal era uma época divertida
Com Billy Smart’s e Auld Lang Syne
“Paz na Terra” era real, parecia
E AMOR uma palavra ainda não obscena, oh não
Cheiro de árvore de Natal e aqueles sinos prateados
O natal era um amigo meu
O natal era um amigo meu
Feliz, feliz, feliz, feliz, Feliz Natal
Todos, em todo o mundo,
A época do Natal é agora
E eu espero que todos sintam um bom tempo
aproximando-se
Se depender de mim, sim
O Natal está aqui de novo
Não tem estado por aí desde você sabe quando
Feliz Ano Novo, Feliz Ano Novo
Espero que todos tenham um feliz ano novo …
Christmas was a friend mine
by Fay Lovsky
Every year lasted too long, with Easter bunnies, birthday cards,
And seaside outings in the summer, only to break the long
Gap of time that stretched between the one and the other
Christmas
Christmas in the sixties was fine
With candles, goodies, presents, and wine
Peace on Earth was real, it seemed
And LOVE a word as yet not obscene, oh no
Watching the season parade
Dying trees, and neon stars, and plastic Santas for a penny
urging to celebrate: ding dong ding dong
Here comes another Christmas!
Christmas was a jolly old time
With Billy Smart’s and Auld Lang Syne
Peace on Earth was real, it seemed
And LOVE a word as yet not obscene, oh no
Christmas tree smell and those silvery bells
Christmas was a friend of mine
Christmas was a friend of mine
Merry, merry, merry, merry, merry Christmas
Everybody, all around the world,
Christmas-time is here
And I hope that everybody’s gonna have a good time
coming
If it’s up to me yeah
Christmas time is here again
Ain’t been around since you know when
Happy New Year Happy New Year
I hope that everyone will have a happy New Year …
Vamos contextualizar?
Primeiro, o óbvio: lembre-se que o Natal lá no norte é no inverno…
Billy Smart’s era o dono de um circo que fazia muito sucesso na Europa, inclusive havia nos anos 1980 um programa anual na TV holandesa chamado “Billy Smart’s Kinderkerstcircus” (“Circo de Natal para Crianças do Billy Smart’s”) [2].
Auld Lang Syne (“Pelos velhos tempos”, em tradução livre) é um poema escocês de origem popular, reunido em 1788 por Robert Burns [3]. Tornou-se uma música tradicional da passagem do Ano Novo nos países nórdicos. Nos EUA e Reino Unido é conhecida como “The Song of Nobody Knows” (“A música que ninguém conhece”), porque poucos lembram da letra até o final…
Este poema recebeu uma versão brasileira de Alberto Ribeiro e Carlos Alberto Ferreira Braga (Braguinha – João de Barro). Em 1941, Francisco Alves e Dalva de Oliveira gravaram essa música, que ficou conhecida como a “Valsa da Despedida“. Ouça a versão deles, num vídeo com imagens de famoso drama italiano de 1970 (Os Girassóis da Rússia), cuja trilha sonora foi, na verdade produzida por Henri Mancini.
A Valsa da Despedida é entoada – com eventuais alterações da letra – pelos formandos da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) e da EEAR (Escola de Especialistas da Aeronáutica). Em Portugal, é a música de despedida dos escoteiros (escuteiros) e cadetes formandos da EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar) [4].
Fay Lovsky é cantora e compositora nascida Fay Luyendijk, em 11 de setembro de 1955, nos Países Baixos (Holanda). O nome artístico vem de um cachorro de sua avó tcheca que, como a neta, amava a música e esquiar.
Fay é multi-instrumentista, toca violão, guitarra, baixo, serrote elétrico, theremin e muito mais [5].
O theremin, um instrumento musical eletrônico, tem sonoridade semelhante ao serrote acústico, assista o pequeno vídeo do inventor dele, Leon Theremin:
Nessa época de nostalgia e reflexões, é essencial lembrar da música natalina Boas Festas, composta pelo gênio baiano José de Assis Valente [6] [7].
Autor preferido de Carmem Miranda, Assis Valente compôs muitos outros clássicos brasileiros, como “Cai, Cai Balão”, “Camisa Listrada”, “E o Mundo Não se Acabou”, “Recenseamento” e “Brasil Pandeiro”. Lembra daquela música que diz “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”? Pois é.
Boas Festas, de Assis Valente
Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade, pra você me dar
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim, felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem!
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem!
Apesar de ser a mais conhecida canção natalina brasileira, Boas Festas perdeu parte da magia e do impacto da letra, porque tem sido cantada de modo desinteressado e comercial. A música traz em si um paradoxo, porque o ritmo é alegre (marchinha), mas a letra é uma forte crítica social (Papai Noel não é para todos).
Resgato aqui um pouco a possibilidade de ouvir algo cativante, nas vozes de um coral de crianças de 9 a 14 anos.
O disco “Feliz Natal”, com os Pequenos Cantores da Guanabara, alunos do Colégio Salesiano (RJ), foi gravado na década de 1960. O disco todo tem boas interpretações de tradicionais músicas natalinas, você até poderá descobrir alguma que ainda não conheça. No Youtube encontrei somente o LP inteiro, pode-se ouvir Boas Festas a partir de 1m53s. Até agora, considero a melhor versão para essa música.
José de Assis Valente escreveu Boas Festas em 1932, a canção brotou de um Natal solitário e triste, como ele confidenciou numa entrevista de 1936 [8]:
“Eu morava em Niterói, e passei aquele Natal sozinho. Estava longe dos meus e de todos em uma terra estranha. Era uma criatura esquecida dos demais no mundo alegre do Natal dos outros. Havia em meu quarto isolado, uma estampa simples de uma menina esperando seu presente, com seus sapatinhos sobre a cama. Eu me senti nela. Rezei e pedi. Fiz então “Boas festas”. Era uma forma de dizer aos outros o que eu sentia. Foi bom, porque de minha infelicidade tirei esta marchinha que fez a felicidade de muita gente. É minha alegria de todos os natais. Esta é a minha melhor composição”.
Outra interessante música natalina é Natal Verde e Amarelo, escrita por Wilma Camargo em 1960. A letra é bastante nacionalista e tenta mostrar que o nosso Natal é no hemisfério sul, no auge do verão, portanto devemos encher de presentes os nossos chinelos, não nossas meias… Ouça-a com o Trio Alvorada:
Natal Verde e Amarelo
por Wilma Camargo
Blem Blem Blem Blim Blim Blom Blom
Feliz Natal
Natal brasileiro, sem nada estrangeiro
Calor de dezembro, sem neve, sem frio
Natal todo nosso, com sinos tocando
Nas velhas Matrizes do nosso Brasil
Feliz Natal (Feliz Natal)
Na hora da ceia, não sirva peru
Sirva um bom café, vatapá e caruru
Família reunida, contente da vida
Que bom festejar
Festejar o Natal a cantar
Não há, ó gente, ó não
Natal tão bonito, Natal tão azul
Luar do sertão no Cruzeiro do Sul
Para iluminar o Brasil por inteiro
Eu quero este ano ver Papai Noel de verde e amarelo
Chegar alta noite e em muito chinelo deixar
Orgulho de ser brasileiro
Não há, ó gente, ó não
Natal tão bonito, Natal tão azul
Luar do sertão no Cruzeiro do Sul
Para iluminar o Brasil por inteiro
Eu quero este ano ver Papai Noel de verde e amarelo
Chegar alta noite e em muito chinelo deixar
Orgulho-me de ser brasileiro
Para quem quiser conhecer mais canções natalinas brasileiras, recomendo um artigo sobre o assunto, que fala do acervo do Instituto Moreira Salles [9].
Referências
[1] Fay Lovsky – Blog – https://www.lovsky.com/lovsky/hello.html
[2] Wikipedia – Billy Smart Jr. – https://en.wikipedia.org/wiki/Billy_Smart_Jr.
[3] Wikipedia – Auld Lang Syne – https://pt.wikipedia.org/wiki/Auld_Lang_Syne
[4] Wikipedia – Assis Valente – https://pt.wikipedia.org/wiki/Assis_Valente
[5] Youtube – Fay Lovsky – Canal – https://www.youtube.com/channel/UCy5fiVGYnX37ix6csgv4Atg
[6] Biblioteca Virtual Consuelo Pondé – Assis Valente, o Pivô do Samba – http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=158
[7] Enciclopédia Itaú Cultural – Assis Valente – http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12149/assis-valente
[8] Qual Delas? – A Canção Contada – Boas Festas – http://qualdelas.com.br/boas-festas/
[9] Teseo Press – Nísio Teixeira – A contribuição do acervo musical do site do Instituto Moreira Salles para a diversidade. Um estudo de caso: canções natalinas brasileiras – https://www.teseopress.com/diversidadedeexpressoesculturaisnaeradigital/chapter/a-contribuicao-do-acervo-musical-do-site-do-instituto-moreira-salles-para-a-diversidade-um-estudo-de-caso-cancoes-natalinas-brasileiras/
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Sr. Euzébio, estou com uma estranha sensação de raiva por ter conhecido seu site só agora, rsrsrsrs… parabéns pelo conteúdo – não apenas o de aspecto técnico, mas todo ele, inclusive o político. Continue, por favor!
Olá, obrigado pelas palavras de apoio, espero poder continuar a escrever mais artigos de interesse geral!